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Memórias de um Freixo, de Kun-Woong Park

Diversas culturas passaram por momentos devastadores ao longo de suas formações. Se hoje em dia, dimensionar guerras em andamento é extremamente fora da realidade, anos atrás, esse tema era fora de cogitação. Esses mesmos traumas que infelizmente fizeram parte de basicamente todos os países em suas próprias proporções, criaram cicatrizes na construção da sociedade. O manhwa Memórias de um Freixo de Kun-Woong Park, que adapta o livro escrito por Yong-Tak Choi de mesmo nome, é um retrato da Massacre das Ligas Bodo.

Muito além da Guerra da Coreia (1950-1953) que culminou na divisão entre Norte e Sul, outros acontecimentos sangrentos foram se conectando, entre eles o chamado Massacre das Ligas Bodo. Estima-se que ao menos 200 mil pessoas perderam suas vidas, com a prerrogativa de uma possível formação de uma frente comunista. Na ocasião, a Coreia do Sul era liderada por um Presidente de extrema direita. O que se seguia a partir de então, era um verdadeiro massacre ao povo, em que na maioria das vezes, não possuía qualquer ligação política ou ideais reacionários ao que o país enfrentava naquele momento.

Fazendo um recorte, Memórias de um Freixo se concentra na chacina cometida pela Liga Bodo, sob o ponto de vista de uma árvore. O manhwa não poupa o leitor das atrocidades que se seguem, entre o desespero das pessoas que são enviadas para essas florestas, sem saber o que vai acontecer e se ao menos poderão voltar para seus entes queridos ou simplesmente em alguns dizimando famílias inteiras, sob a justificativa que poderiam ser perigosos ao ponto de vista do seu então governante.

A partir do ponto de vista imparcial da árvore, que demonstra em alguns momentos certo incômodo com o que está acontecendo perante suas raízes, mas, a sua falta de expressividade conduz a história por aspectos objetivos e com pouca empatia ao que acontece ali. Memórias de um Freixo é um retrato chocante de uma sociedade, cuja formação está atrelada a muitos traumas. Kun-Woong Park se concentra com o seu roteiro e arte em transgredir alguns dos sentimentos aos seus leitores: temor, estranheza, nojo, dor empática, excitação, medo, horror e tristeza.

Os personagens secundários sequer ganham possibilidade de ter suas histórias contadas, com exceção de uma breve introdução que retrata a relação entre sonhos e realidade de dois irmãos, cujas vidas seriam afetadas diretamente pelo Massacre das Ligas Bodo. Muito mais que retratar este acontecimento delicado e catastrófico do seu país, Memórias de um Freixo, é o puro suco do drama, sem objetivo de chocar gratuitamente o leitor. Obras como essas, se sobressaem aos livros de histórias: primeiro por sua ambientação que busca humanizar as vítimas e por último, dar voz para aqueles que não puderam construir suas histórias em decorrência de líderes megalomaníacos.

Memórias de um Freixo é uma história que requer um nível básico de contexto sobre a formação da sociedade coreana. O roteiro de Kun-Woong Park, ainda que didático, busca fazer justiça para pessoas que acabaram esquecidas durante alguns anos. Atrocidades em que a maioria delas foram colocadas, sem sequer saber o que poderia acontecer. Essa ideia de líder salvador fica tão clara nas páginas da obra, que mesmo no leito de morte, alguns acabam clamando pela ajuda, daquele que prescreveu o extermínio de milhares de pessoas inocentes.

A neutralidade do Freixo em contar sob o seu ponto de vista a atrocidade em que está acontecendo sobre ‘seus olhos’ é ainda mais chocante com as imagens e o desenvolvimento de Memórias de um Freixo que não poupa o leitor em nada. A arte de Kun-Woong Park transmite com clareza os horrores em relação ao massacre que se desenrola. Esse horror não se estende apenas às vítimas, mas aos seus familiares, que precisam ir atrás dos entes queridos para que possam ter um enterro digno. Sem objetivar chocar por chocar, o manhwa é relativamente pesado em diversos momentos e incômodo ao colocar uma árvore com sua imparcialidade diante de tantas atrocidades.

Necessário, Memórias de um Freixo é o tipo de leitura que foge dos eixos convencionais, pois, se junta a diversas obras gráficas que contam momentos delicados ao redor do mundo. A Guerra da Coreia é um destes acontecimentos e sua conexão com o Massacre das Ligas Bodo, reforça a necessidade de que esses momentos não sejam esquecidos, para que nunca mais voltem a acontecer. A obra reforça nossas limitações em conhecer parte da história mundial, mas é autocontida. Os textos de apoio no final da edição fazem total sentido e colaboram com a aula de história que Kun-Woong Park e Yong-Tak Choi, se propõem a contar.

★★★★★
Memórias de um Freixo, de Kun-Woong Park, conta com 304 páginas e foi lançado no Brasil em 2021 pela Editora Conrad, com tradução de Jae Hyung Woo.

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