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Fun Home: Uma Tragicomédia em Família, de Alison Bechdel

Quadrinhos talvez sejam uma das maneiras mais complexas e assertivas, quando existe uma tentativa biográfica de explicitar os mais diversos momentos da jornada do ser humano. Assim como a vida é feita de erros e acertos, essas tentativas, algumas vezes, conseguem atingir um resultado positivo, por muitos fatores. Alison Bechdel, escreve e desenha, Fun Home: Uma Tragicomédia em Família, publicada no Brasil pela Editora Todavia. A obra muito elogiada desde o seu lançamento, cumpriu um papel importante na disseminação do debate para alguns temas relevantes à sociedade e que explorados por outras mídias, encontrou através do olhar de Bechdel, uma ressignificação.

Fun Home: Uma Tragicomédia em Família, em resumo, acompanha a história da própria autora, funcionando inicialmente como um relato biográfico de suas descobertas, principalmente sobre sua sexualidade, numa família pouco convencional e refém de uma sociedade padrão e rodeada de preconceitos. Muito mais do que levantar a bandeira da igualdade, a autora cria uma atmosfera reflexiva em torno do seu quadrinho. Essa reflexão é cheia de acometimentos através do roteiro, mas lado a lado com a arte, que se justificam nas escolhas de Alison Bechdel, como importante recurso narrativo. Por isso, Fun Home, é muito mais do que um simples trocadilho com o negócio da família Bechdel.

Ao longo de 240 páginas, Alison Bechdel, estrutura a apresentação de sua família em sete capítulos, que juntos, reforçam toda a mensagem que a autora se propõe a contar. Apesar de suas interações com a sua mãe e irmãos, é a relação com seu pai, que guia toda a narrativa do quadrinho. Bruce Bechdel, trabalha como diretor na funerária da família, negócio herdado de seu pai, além de atuar como professor de Inglês, grande fã de grandes nomes da literatura, sendo o mais recorrente os livros de Proust (diversos são citados no quadrinho), o patriarca da família, escondeu durante alguns anos, o segredo sobre sua sexualidade.

Apesar de não se resumir a relação de Alison e Bruce, Fun Home, é recheado de personagens secundários interessantes e agregam à jornada de ambos, ainda que o quadrinho, sempre esteja se movimentando para o lado de ambos. A autora busca explorar, desde suas principais lembranças quando criança, da excentricidade do seu pai, que ainda era obcecado na restauração de sua casa, que tinha ares vitorianos. O quadrinho, além de explicitar a tirania de Bruce, desenvolve nas entrelinhas a descoberta da sexualidade de Alison.

E não é exagero afirmar, que é a partir deste ponto de vista, que Fun Home: Uma Tragicomédia em Família, atinge o seu ápice, quando a protagonista, revela para os seus pais, sobre as suas próprias descobertas. Em meio a revelação e a descoberta que seu pai manteve relações com homens ao longo da vida, faz com que a visão de tirania que Alison, foi construindo dele, acabaria recebendo uma justificativa, já que sua família que sempre precisou se manter na linha, estivesse entorno de tais revelações, o que de certa, tirou o protagonismo de sua própria revelação, uma vez, que ela precisou lidar com o segredo do pai.

A relação entre pai e filha, massivamente explorada em Fun Home, assume uma nova vertente, a partir do momento em que Alison Bechdel revela sobre sua sexualidade. Ainda que um acontecimento, coloque um ponto final da relação de ambos, as reflexões mesmo após esse abrupto acontecimento, ainda rende algumas boas reflexões à protagonista. De fato o sucesso do quadrinho, não se resume simplesmente à mensagem que a autora deseja passar ao leitor, as entrelinhas de cada quadro de Fun Home, trazem em sua maioria grandes reflexões, mesmo que você não se sinta impactado com a história de aceitação da protagonista/autora.

Alison Bechdel, emprega em Fun Home: Uma Tragicomédia em Família, os melhores recursos narrativos e visuais, que este quadrinho poderia merecer. Sem parecer ridiculamente sentimental, a publicação lida com temas sérios e muitos gatilhos, que o leitor acaba sendo bombardeado de forma positiva com as reflexões. Há cenas e diálogos pesados, mas que são necessários e não se mostram gratuitos, ou foram colocados de maneira impensada. A autora transforma sua jornada de aceitação e visão da sociedade, de forma reflexiva e intimista, fazendo com que o quadrinho, transmita essa mesma mensagem ao leitor.

★★★★
Fun Home: Uma Tragicomédia em Família, de Alison Bechdel, conta com 240 páginas e foi lançado no Brasil em 2018 pela Editora Todavia, com tradução de André Conti.

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